Colibacilose: Dra. Terezinha Knöbl responde principais dúvidas sobre o tema (Parte 1)
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27/05/2022Como a colibacilose aviária é uma doença bastante crítica e com grande impacto econômico na produção de frangos de corte, convidamos uma especialista no assunto para responder as principais dúvidas sobre o tema.
Com vasta experiência em doenças aviárias e infecções causadas por enterobactérias, Dra. Terezinha Knöbl atua no Laboratório de Medicina Aviária do Departamento de Patologia da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da Universidade de São Paulo (USP).
Na parte 1 da nossa entrevista, ela trouxe detalhes sobre os problemas causados pelas cepas patogênicas de Escherichia coli (as APECs). Agora, reservamos um espaço para quem quer se aprofundar ainda mais no assunto.
Neste artigo, Dra. Terezinha aborda questões relacionadas ao potencial patogênico das cepas de E. coli, marcadores de virulência, genes de resistência e fala sobre como isolar uma APEC em exame de rotina. Confira a parte 2 desta conversa!
Entrevista Dra. Terezinha Knöbl
1) Biocamp – Quais são os marcadores de virulência de uma cepa de E. coli que nos dá indícios de seu potencial patogênico?
Dra. Terezinha Knöbl – Existem diversos protocolos para estabelecer o potencial de patogenicidade. No entanto, a APEC é um patotipo muito diverso, com mais de 25 marcadores distintos. O protocolo mais utilizado para diagnóstico de cepas virulentas é o de Johnson et al. (2008), que pesquisa a presença de 5 fatores de virulência considerados preditivos mínimos:
Adicionalmente, estudos que correlacionam a presença e ausência (por deleção) de genes de virulência com a patogenicidade em embriões ou pintos de 1 dia de idade destacam a importância dos genes relacionados à captura de ferro, da presença do plasmídio ColV, da adesina termossensível tsh e da proteína iss (increased sérum survival). Alguns marcadores de virulência relacionam APEC a outros patotipos de ExPEC, como é o caso dos genes usp, papC e cnf (comuns em E. coli uropatogênica) ou sfa, ibeA e kps (presentes em E. coli associada à meningite). Esses marcadores sugerem o risco zoonótico de uma cepa de APEC.
2) Biocamp – Sabendo que a E. coli pode ser um contaminante de origem fecal da amostragem ou um agente secundário, como definir se a APEC é o agente etiológico de um quadro clínico?
Dra. Terezinha Knöbl – Alguns pontos são fundamentais para considerar uma APEC como agente etiológico de um quadro clínico. O isolamento deve ter sido realizado de um sítio extraintestinal e em condições adequadas de assepsia. Não pode haver indício de contaminação fecal na coleta ou no transporte da amostra. A ave deve ter lesões sugestivas de colibacilose. Normalmente mais de uma ave com as mesmas lesões resultam no isolamento de um mesmo agente.
Existem modelos fenotípicos que correlacionam a virulência com a patogenicidade, mas esses modelos utilizam animais e, por razões éticas, só devem ser empregados em situações específicas. Sob o ponto de vista de diagnóstico molecular, deve se considerar como agente primário quando o isolado possuir os fatores de virulência de APEC e pertencer ao filogrupo G descrito por Clermont et al (2019). Isolados pertencentes aos filogrupos B2, D ou F também costumam ser patogênicos.
Nos casos de oportunismo, em que cepas comensais atuam como agentes secundários, os isolados são classificados preferencialmente nos grupos A ou B1. Outras formas de classificação incluem a sorotipagem, considerando que determinados sorogrupos — como O78, O2, O1 e O21 — remetem classicamente aos casos de colibacilose aviária.
Mais recentemente a técnica de MLST se mostrou útil na identificação de sequencias dominantes em surtos de colibacilose. Isolados de APEC têm participação primária quando a linhagem predominante pertencer ao grupo formado por ST117, ST95, ST23, ST140 e ST428/429. Alguns outros STs também podem acometer as aves e são considerados potencialmente zoonóticos, tais como ST73, ST69 e ST131.
3) Biocamp – Os genes de virulência e resistência em E. coli estão associados?
Dra. Terezinha Knöbl – Há alguma limitação de tamanho de genoma bacteriano e, no processo evolutivo, as diversas linhagens tendem a acumular repertórios de virulência ou de resistência. Então, de modo geral, as bactérias muito virulentas costumam ser menos resistentes e aquelas muito resistentes costumam ser menos virulentas. Mas há exceções.
Alguns elementos móveis como plasmídios e integrons podem conter genes de virulência e de resistência. Se houver pressão seletiva para antimicrobianos e os genes de virulência estiverem no mesmo ambiente genético, haverá co-seleção de bactérias virulentas e resistentes. Então, tudo depende do ambiente genético em que esses determinantes de virulência e resistência estão hospedados.
4) Biocamp – O que fazer ao isolar uma APEC em um exame de rotina? Somente isso justifica o aparecimento de alguma enfermidade? Há sentido isolar das fezes ou do trato digestivo?
Dra. Terezinha Knöbl – No caso de isolamento de APEC na rotina é importante caracterizar o agente e monitorar os próximos lotes. A interpretação desse achado deve considerar o sítio de isolamento, uma vez que APEC pode colonizar o intestino das aves, sem causar doença entérica. O isolamento das fezes não confirma o diagnóstico de colibacilose, mas aponta para um risco de transmissão horizontal e vertical do agente. O risco dependerá muito da linhagem isolada. Já o isolamento de órgãos como fígado, coração, sacos aéreos, pulmão, seios da face, saco da gema, folículos ovarianos ou medula óssea confirma o diagnóstico de colibacilose (desde que a coleta tenha sido realizada com rigor, livre de contaminação fecal). Nesse caso, se a ocorrência não for pontual e os casos estiverem associados a impactos decorrentes de mortalidade e de condenações no abatedouro, é necessário adotar medidas de controle mais específicas.
5) Biocamp – Sendo a E. coli uma bactéria constituinte da microbiota normal de aves saudáveis, qual o significado do isolamento de E. coli em intestinos de aves com problemas entéricos e respiratórios?
Dra. Terezinha Knöbl – De modo geral, a APEC tem pouca ou nenhuma participação nos processos entéricos. Esses normalmente estão mais relacionados com processos de disbiose, em que há alteração quantitativa entre as diversas populações bacterianas. Nesses casos pode haver algum impacto no desempenho zootécnico.
Já nos processos respiratórios, as cepas de E. coli podem atuar como agentes primários ou oportunistas de doença, resultando em quadros de aerossaculite e/ou sepse. A participação primária ou secundária depende do repertório de virulência. De modo geral, a APEC é considerada agente primário e estirpes comensais do filogrupo A ou B1 são oportunistas.
Na parte 1 da entrevista, Dra. Terezinha Knöbl enfatizou que as APECs não causam doenças entéricas: o repertório de virulência está associado com infecções sistêmicas.
O quadro principal é de doença respiratória (aerossaculite), com posterior colonização de fígado e coração. Mas há possibilidade de sepse, quadros extraintestinais (onfalites, ooforite e salpingite), celulite, artrites e/ou síndrome da cabeça inchada.
A diarreia aparece quando há disbiose, ou seja, quando a microbiota da ave está em desequilíbrio. O uso de probióticos vem, então, como alternativa eficaz para o controle de APEC na cadeia produtiva de frangos de corte.
A manutenção de uma microbiota intestinal em equilíbrio é uma das principais estratégias para controlar patógenos. Fale com um de nossos especialistas para criar um programa de uso de probióticos mais adequado ao seu negócio!