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27/11/2019SARS CoV 2: como ela poderá acelerar a redução do uso dos Antibióticos Melhoradores de Desempenho (AMDs) na produção avícola
23/09/2020Parece clichê, mas não há como fugir do cenário criado pela pandemia: assim como acontece em outros segmentos, a avicultura será marcada pelo período pré e pós SARS CoV 2 (Covid-19).
Entre 2010 e 2019, o mercado estava aquecido: consumo interno de frangos elevado e estável, chegando a 44 kg per capita, e o volume de exportações aumentando 8,3%. Neste mesmo período, o consumo per capita de ovos no Brasil experimentou um crescimento de mais de 70%.
No entanto, a realidade atual mudou esse cenário. Devido ao desemprego crescente e à mudança de hábitos alimentares, passou a ser complexo apostar na manutenção da capacidade de compra do brasileiro. Agora, enfrentamos uma grande incógnita tanto no que diz respeito ao volume quanto ao preço que será praticado daqui em diante.
Para falar sobre os impactos da pandemia na avicultura, entender os avanços no setor e abordar tendências para os próximos meses, convidamos Paulo Martins, nosso diretor Técnico. Paulo é médico veterinário, formado pela Universidade de São Paulo, com vasta experiência nacional e internacional em produção avícola. Acompanhe!
Que incertezas a Covid-19 levantou em relação ao setor avícola?
Há 30 anos, um expert no mercado de carnes americano dizia “nunca aproxime os três “Ps”: “Press, Poultry & Public” (Imprensa, Aves e Público). Não é necessário ser radical, mas é fato que, sem o devido cuidado, muitas informações incorretas podem ser propagadas. E isso pode ocasionar interpretações erradas e muito prejudiciais ao setor. Um exemplo? Absurdos como a notícia recente de que embalagens de produtos estariam contaminados com Coronavírus, o que leva a grandes danos à imagem de empresas e produtores, afetando as relações comerciais entre os países.
Apesar do trabalho hercúleo da Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA), o segmento de avicultura precisa investir ainda mais em campanhas maciças e ininterruptas sobre a qualidade nutricional e sanitária inquestionável das aves e ovos brasileiros – para cada mercado, para cada geração de consumidores, para cada nível social e para cada cadeia de venda.
Temos que ir ao encontro do jovem consumidor nas escolas, nas universidades, nas empresas e mostrar a importância do Brasil na alimentação do mundo. Temos que lembrá-los que todos fazemos, no mínimo, três refeições por dia graças ao produtor rural. Devemos, técnica e didaticamente, nos posicionar frente às ideias divergentes, no plano nacional e internacional.
Se fizermos uma análise dos últimos 10 anos, como o setor evoluiu?
A evolução ocorreu em vários sentidos. Além da economia em escala, a exportação foi, sem dúvida, a “academia” onde nos aperfeiçoamos – ouso dizer como nenhum outro país – em sanidade e qualidade. E temos espaço para melhorar ainda mais!
Os benefícios tecnológicos que nos levaram ao mercado externo, sem dúvida se estenderam para a produção do mercado interno. Temos uma variedade de apresentações, cortes, produtos industrializados, semiprontos, disponíveis em qualquer supermercado nacional, o que nos equipara às gôndolas de cadeias sofisticadas da Europa, Oriente Médio e Japão. Tudo graças ao conhecimento decorrente do trabalho de exportação. Prova disso está no fato de que somos um dos maiores produtores mundiais de produtos Kosher e de abate Halal, a maior parte para exportação. O cliente pede e o Brasil atende.
Você comentou sobre a exportação, de que forma ela foi impactada pela pandemia?
Aqui temos uma boa notícia. Dois fatores colaboram para que a exportação de frangos brasileira continue aquecida, mesmo com as atuais incertezas. Ásia e África, dois importantes blocos importadores de frango, aparentemente foram pouco afetados pela Covid-19. Além disso, países como a China enfrentam sérios problemas sanitários nos seus rebanhos, com a peste suína africana e a influenza aviária, gerando a necessidade de importação de carne do Brasil. Portanto o mercado de exportação de frangos deverá permanecer em alta.
E como fica a questão de custos internos de produção?
Em 2019, o Brasil se tornou o maior exportador de milho do mundo, superando inclusive os Estados Unidos. Os embarques atingiram 44,9 milhões de toneladas, o que representou um crescimento de 88% em relação a 2018. Este é um ponto que certamente irá impactar o setor, pois apesar da boa notícia para os produtores de grãos, o fato de o país ter se tornado um dos maiores fornecedores de grãos para o mercado internacional deve levar ao encarecimento dos custos para os criadores de aves e de suínos. Em outras palavras, a indústria de proteína animal nacional terá que concorrer com os importadores de grãos e, muito provavelmente, arcar com investimentos maiores para manter suas criações. E isso, num cenário como o que estamos vivenciando atualmente, é preocupante.
Há uma crescente preocupação dos consumidores com o bem estar e doenças metabólicas na produção animal. De que maneira isso deve impactar no setor?
O consumidor está mais atento à forma de produzir, principalmente quanto ao bem estar animal e ao seu rápido crescimento. O desconhecimento da população de como os animais são criados leva ao falso entendimento de que eles recebem, por exemplo, hormônios que justificam o crescimento acelerado. E todos nós da produção industrial (em larga escala), sabemos que o melhoramento genético, práticas de manejo e ambiência e, sobretudo, nutrição são os elementos que contribuem para esse rápido desenvolvimento dos animais de produção. E devemos levar essa mensagem à população, de forma clara e assertiva. Aqui, trata-se não apenas de um papel da ABPA, mas de todas as empresas do setor.
Em razão da Covid-19, a Organização Mundial da Saúde (OMS) mais uma vez fez o alerta sobre a ameaça da resistência antimicrobiana, que seria um dos desafios mais importantes e urgentes dos dias atuais. De que maneira isso abre espaço para a abordagem em torno da produção animal sem o uso de antibióticos?
Com certeza ela incentiva essa discussão. A produção sem o uso dos antibióticos melhoradores de desempenho (AMD) e a redução dramática do uso de antimicrobianos terapêuticos já é uma realidade no Brasil e no mundo. Campanhas internacionais estão em pleno desenvolvimento promovendo o conceito de One Health (conceito de saúde única: homem, animais e meio ambiente), grandes cadeias de supermercados estão atentas ao tipo de alimento que comercializam e os consumidores estão mais conscientes não apenas sobre a procedência e qualidade do alimento, mas com o bem estar do animal.
Assim, o foco está muito mais em antecipar a detecção de possíveis problemas causados pela produção animal sem uso de antibióticos e resistência antimicrobiana do que em tratar o animal. E os probióticos e produtos de exclusão competitiva (EC) são fortes candidatos, pois são alternativas eficazes para prevenção de doenças e síndromes em aves, proporcionando performance e resposta imunológica dos animais.
Como a tecnologia pode ser uma parceira estratégica para o mercado de avicultura?
As novas tecnologias já estão em desenvolvimento ou em uso em todos os segmentos avícolas. Por meio de IoT (Internet das Coisas), as granjas se beneficiam com uso de sensores e computadores, monitoramento à distância das práticas de manejo e gestão do ambiente de criação, entre outras. E a tendência é que sejam incorporadas com maior velocidade no dia a dia da produção.
O resultado será uma maior agilidade em diagnosticar problemas, com antecipação nas ações para mitigar os erros encontrados e a maior rastreabilidade. Tudo isso é essencial para manter a competitividade da produção. Com a adoção de novas tecnologias, seguramente aumentaremos a previsibilidade e, assim, melhoraremos os resultados econômicos.
Quais tendências você acredita que devem se concretizar nos próximos meses?
Minha percepção é que o futuro do consumo de proteínas animais e demais alimentos será moldado por questões voltadas para sustentabilidade, bem estar animal e bem estar do trabalhador. A qualidade nutricional e sanitária dos alimentos também ganha cada vez mais destaque, assim como a praticidade de uso (produtos já elaborados, semiprontos ou prontos) e foco em diversificar e ampliar canais de venda.
Lembro que o mundo hoje possui pouco mais de 50% da população urbana. Entretanto, no Brasil já nos aproximamos de 90%. Em São Paulo já estão à venda apartamentos de 10 m2. Qual o impacto que isso trará no consumo de alimentos? As empresas cuja venda principal ainda é restrita a cortes, ou ainda frango inteiro, precisam se preparar para investir em uma linha de alimentos mais variada, como a de processados.