Salmoneloses aviárias: trata-se de três quadros distintos com agentes etiológicos diferentes, assim como a relação hospedeiro-parasita.
23/02/202212 diferenciais competitivos dos probióticos Biocamp
29/03/2022O tifo aviário é uma doença de extrema importância para a avicultura de postura: devido à severidade da enfermidade, acarreta menor produtividade e enormes prejuízos econômicos. A infecção causada pela bactéria Salmonella enterica subespécie enterica sorovar Gallinarum biovar Gallinarum (Salmonella Gallinarum) pode levar à mortalidade de 80% do plantel — ou mais — em aves mais suscetíveis (reprodutoras, pesadas e semipesadas), enquanto pode ser irrisória, mas ocorre, em aves brancas leves5 e 3.
Por isso, o tifo aviário é constante motivo de preocupação em granjas e ainda gera muitas dúvidas no setor. Entre elas: quais são as medidas mais eficazes, se as aves sobreviventes permanecem portadoras da doença e outras questões como a reversão da virulência vacinal.
Para responder essas e outras perguntas extremamente pertinentes sobre o tifo aviário, convidamos o Dr. Angelo Berchieri Junior, professor titular em Ornitopatologia no Departamento de Patologia, Reprodução e Saúde Única da Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias (FCAV) da Universidade Estadual Paulista (Unesp), campus de Jaboticabal.
Especialista em salmoneloses aviárias, Dr. Berchieri Junior é autor de diversos artigos científicos e já nos auxiliou a detalhar as principais diferenças entre enfermidades causadas por essas bactérias: o tifo aviário, a pulorose e o paratifo aviário. Agora, vem para contribuir com mais um conteúdo importante para a avicultura brasileira. Confira a entrevista!
Entrevista Dr. Angelo Berchieri Junior
Biocamp – Os casos mais recentes de tifo aviário podem ter sido causados por reversão de virulência vacinal?
Dr. Angelo Berchieri Junior – O tifo aviário não é recente. Tanto que o PNSA (Programa Nacional de Sanidade Avícola), desde seu início, em 1994, já estabeleceu a obrigatoriedade de eliminar rebanhos reprodutores acometidos pela enfermidade. Por volta do ano 2000, casos de tifo aviário começaram a surgir com mais frequência.
A estirpe atenuada SG9R foi desenvolvida pelo Dr. W. Smith na década de 1950 e, desde então, desconheço alguma informação científica que comprove, de fato, tal comentário.
Biocamp – Quando não há casos clínicos, qual seria o programa vacinal mais adequado quando estamos diante de um “status” de controle de desafios contra a Salmonella Gallinarum?
Dr. Angelo Berchieri Junior – Para aves de vida longa, a combinação de vacina contendo bactéria viva mais vacina contendo bactéria inativada em emulsão oleosa seria o mais adequado6. Face ao sistema de criação intensivo, com alta densidade e por longo período e, pelo fato de não se saber quando ocorrerá a infecção das aves, a proteção decorrente da mesclagem de vacinas vivas e inativadas pode ser considerada uma boa estratégia.
Biocamp – A vacinação com a estirpe SG 9R pode levar a uma baixa momentânea na imunidade da ave?
Dr. Angelo Berchieri Junior – Não. Assim como qualquer vacina, ela provoca uma resposta imune, ou seja, o organismo desenvolve uma reação para conseguir vencer o agente invasor. Em animais saudáveis, a reação à vacina não traria complicações.
Biocamp – A vacina tem o papel de produzir resposta imune ao agente da doença. No entanto, há formas mais consistentes de se obter essa resposta a depender da via de aplicação?
Dr. Angelo Berchieri Junior – A estirpe vacinal, assim é considerada, porque consegue se multiplicar no organismo da ave e provocar o desenvolvimento de resposta imune – sem, contudo, ter a agressividade de uma estirpe selvagem. Isso significa que ela é mais susceptível à reação do organismo da ave.
Assim, ao ser oferecida pela via oral, a bactéria tem que superar as barreiras digestivas para prosseguir. Quando é injetada, não precisa transpor tais barreiras e cai direto na circulação sanguínea. Ambas produzem imunidade, mas é claro que a injetável tem chance de produzir imunidade mais consistente, considerando-se a quantidade de células viáveis de SG9R que estimularão a resposta imune.
Cumpre ainda lembrar que, por se tratar de núcleos com enorme quantidade de aves, muitas vezes em locais onde há várias granjas com diferentes manejos sanitários, movimentação de veículos e de pessoal, a eficiência do programa vacinal vai depender da robustez do manejo sanitário na região.
Biocamp – A estratégia de vacinar lotes em início de surto de tifo aviário funciona?
Dr. Angelo Berchieri Junior – Esta é uma medida que deve ser tomada com cautela, pois pode favorecer interpretações equivocadas. É necessário lembrar que a estirpe vacinal está viva e é uma estirpe de SG atenuada. Assim sendo, como qualquer estirpe vacinal, ela precisa chegar à corrente sanguínea e se disseminar no animal, chegando ao baço, fígado, coração, entre outros.
Ela é considerada atenuada porque é menos resistente ao combate feito pelo sistema imune da ave. Por isso mesmo é utilizada como estirpe vacinal. Estando o animal com a doença em curso, o recebimento de mais uma “carga” de bactéria pode potencializar o quadro. Vale ressaltar que as alterações do tifo aviário se devem à resposta imune do organismo da ave ao microrganismo invasor.
Dito isso, considerando a epidemiologia do tifo aviário, em que a enfermidade se espalha aos poucos pelo lote, sendo preponderante a bicagem de carcaças de aves mortas pela doença5, a resposta imune à vacinação pode contribuir para proteger as demais aves que ainda não foram infectadas.
Deve-se ressaltar que a vacinação é uma ferramenta a mais e sempre deve ser recomendada para agregar, dentro de um programa de biossegurança.
Biocamp – Por que o tifo aviário aparece mesmo em lotes vacinados?
Dr. Angelo Berchieri Junior – Não se deve basear o controle do tifo aviário somente no processo vacinal. O conjunto de atitudes que compõem o programa de biossegurança deve ser respeitado e a vacinação ser uma aliada a mais. Além de rever e reforçar o programa de biossegurança (no qual deve constar monitoramento microbiológico), é preciso avaliar o programa de vacinação e sua execução.
Biocamp – As aves doentes que sobreviveram ao tifo aviário permanecem portadoras do agente da doença?
Dr. Angelo Berchieri Junior – Com base em nossa experiência, acredito que não. As tentativas de reproduzir a condição de portador não tiveram efeito. A bactéria Salmonella Gallinarum (SG) ou matava a ave ou desaparecia em poucos dias após a infecção. Mesmo tentando manter a ave viva, seja com doses infectantes não letais (o desenvolvimento da enfermidade é dose dependente) ou utilizando medicamentos, não foi possível observar a persistência prolongada da bactéria. Além disso, todos os ovos produzidos nesses experimentos, foram examinados e constatou-se que não carreavam SG1, 2 e 3.
Vale reforçar que as aves brancas leves são muito resistentes à enfermidade clínica. Contudo, quanto à relação hospedeiro-parasita, a persistência de SG nesses animais é mais longa que em aves semipesadas e pesadas3. Mas também não persistem como Salmonella Pullorum (SP) 1,2 e 8.
Biocamp – Como funciona a antibioticoterapia para o controle do tifo aviário?
Dr. Angelo Berchieri Junior – A antibioticoterapia não se constitui em medida para combater o tifo aviário. Quem já enfrentou o problema no campo sabe disso. Além de não resolver, pode intoxicar as aves e dificultar a realização de exames microbiológicos, dificultando o isolamento e a identificação do agente etiológico e, assim, mascarando a enfermidade.
LITERATURA CONSULTADA
1BERCHIERI JUNIOR, A.; MURPHY, C. K.; MARSTON, K.; BARROW, P.
Observations on the persistence and vertical transmission of Salmonella enterica serovars Pullorum and Gallinarum in chickens: effect of bacterial and host genetic background. Avian Pathology, 30:221 – 231, 2001.
2BERCHIERI JUNIOR, A.; OLIVEIRA, G. H.; PINHEIRO, L. A. S.; BARROW, P.
Experimental Salmonella Gallinarum in laying hens lines. Brazilian Journal of Microbiology, 31:50 – 52, 2000.
3CELIS-ESTUPIÑAN, A. L.P.; BATISTA, D.F.A.; CARDOZO, M.V.; SECUNDO DE SOUZA, A.I.; ALVES, L.B.R.; ALMEIDA, A.M.; BARROW, P.A.; BERCHIERI JUNIOR, A.; FREITAS NETO, O.C.
Further investigations on the epidemiology of fowl typhoid in Brazil. Avian Pathology, 13:1 – 10, 2017.
4FREITAS NETO, O. C., PENHA FILHO, R. A. C., BERCHIERI JÚNIOR, A.
Salmoneloses aviárias. Doenças das aves. 3. ed. Campinas: FACTA, 2020. Seção. 04. p. 495-516, 2020.
5OLIVEIRA, G. H.; BERCHIERI JUNIOR, A.; FERNANDES, A. C.
Experimental infection of laying hens with Salmonella enterica serovar Gallinarum. Brazilian Journal of Microbiology, 36:51 – 56, 2005.
6PAIVA, J. B.; PENHA FILHO, R. C.; Arguello, Y.M.S.; Silva, M.D.; Gardin, Y.; Resende, F.; BERCHIERI JUNIOR, A.; SESTI, L.
Efficacy of several Salmonella vaccination programs against experimental challenge with Salmonella Gallinarum in commercial brown layer and broiler breeder hens. Brazilian Journal of Poultry Science, 1: 65 – 72, 2009.
7PENHA FILHO, R.A.C.; FERREIRA, J.C.; KANASHIRO, A.M.I.; DARINI, A.L.C.; BERCHIERI JUNIOR, A.
Antimicrobial susceptibility of Salmonella Gallinarum and Salmonella Pullorum isolated from ill poultry in Brazil. Ciência Rural, 46: 513 – 518, 2016.
8PINHEIRO, L. A. S.; OLIVEIRA, G. H.; BERCHIERI JUNIOR, A.
Experimental Salmonella enterica serovar Pullorum infection in two commercial varieties of laying hens. Avian Pathology,30: 131 – 135, 2001.